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Análise:
Se pudermos utilizar apenas uma palavra para
descrever a canção “Dead Embryonic Cells”
dos brasileiros do Sepultura, com certeza seria: Perturbadora.
O início com barulhos “estranhos” antes da
entrada dos instrumentos, já deixa o ouvinte tenso e apreensivo. O Sepultura
faz uso do mesmo recurso da faixa antecessora do álbum (a já analisada e igualmente
icônica, “Arise”). O ouvinte recebe
uma massa sonora quando a introdução termina.
Max Cavalera vocifera as primeiras duas
palavras que dão o clima da música: “Land
of anger”. Podemos ver um ser humano sem qualquer esperança diante de um
mundo, que se intensifica na sequencia, onde esse mesmo ser humano diz “I didin’t ask to be Born”, e se
amplifica pelo uso das palavras “tristeza, sofrimento e solidão” nas duas
frases seguintes. Estes sentimentos se tornaram muito comuns no fim dos anos 80
e início dos anos 90 do século XX. O mundo pós Guerra Fria é um mundo instável,
e com mudanças violentas. Mudanças, essas, com destino obscuro. (HOBSBAWN,
1995, p.446)
O eu poético continua analisando o mundo, e
por toda a segunda estrofe fala sobre as doenças (supostamente) criadas por
grandes laboratórios para infectar a humanidade. Esta ação, como alguns grupos
sustentam, seria uma forma dos grandes conglomerados farmacêuticos manterem os
seus lucros astronômicos, a custa da histeria da população. (obs: vale frisar
que não há sustentação dessas teses em estudos, sendo essa uma teoria mais
ligada ao que chamamos de “mitos urbanos”)
A representação do mundo caótico daqueles
anos continua na terceira estrofe, relatando eventos que eram rotineiramente
manchetes dos jornais. A frase “Tribal
violence everywhere” fala não só de conflitos armados na África e Ásia, mas
também, das próprias sociedades urbanas e suas tribos, como Skin Heads, Punks
ou Radicais da Esquerda. (HOBSBAWN, 1995, p.393-400). A frase “Life in the age of terrorism” fala sobre
os noticiários mundo afora, repletos de informações sobre atentados e
destruição causados por grupos radicais. A privatização da violência, com a
venda de armas desenfreadas por corporações e governos para mãos de não
militares, tornou o mundo extremamente perigoso. E governos e organismos
internacionais não estavam prontos para bater de frente com este problema.
Citemos as crises no Oriente Médio, nos Balcãs, Argélia e mesmo dentro dos EUA,
com a ascensão dos movimentos de intolerância étnica e racial. (HOBSBAWN, 1995,
p.540). Há uma citação à intolerância desse mundo, quando se faz a analogia à
frase atribuída a Jesus: “We spit in your
other face”. Ou seja, ao invés de dar a outra face para quem agride, a
letra diz que estamos cuspindo em sinal de retaliação.
A quarta estrofe fala cita “Guerra de Raças”,
citando novamente de conflitos por razões étnicas (como a desintegração da
Iugoslávia), ou político/religiosas (como na Palestina ou Irlanda), ou por
poder econômico (como no caso da Guerra do Golfo). E temos uma observação
pessoal do Eu Poético, quando diz “World
without intelligence”, entendendo que o ser humano se torna irracional
quando toma partido de idealismos. A desesperança volta a aparecer forte no
final da estrofe, quando diz que é o “fim de tudo”.
O refrão deixa clara a mensagem da letra “We're born / With pain / No more / We're
dead embryonic cells” de uma geração que já nasceu condenada pelos erros
das gerações passadas. Nascem sem esperança alguma, dentro de um mundo
condenado ao caos. Conforme a figura de linguagem apresentada, a humanidade já
nasce morta, condenada ao fim prematuro.
Essa tristeza e desespero ficam mais claros
ainda na estrofe logo após o refrão, com um andamento mais rápido, as palavras
descrevem os sentimentos de uma grande parte da população mundial: “Corrosion inside - we feel / Condemned
future - we see / Empitness calls - we hear”. Assolados pela fome, pela
miséria, pela guerra, pela violência, como acreditar num mundo melhor? Assim, não
há o que esperar da humanidade.
O solo de Andreas Kisser encaminha para uma
mudança abrupta no andamento da canção, quando a melodia assume um ritmo mais
cadenciado, sendo um dos riffs de
guitarra mais marcantes da carreira do Sepultura.
A canção retorma o andamento inicial para
repetição da primeira e segunda estrofes, e o refrão alterado para finalizar, concluindo
que com dor e sofrimento a humanidade nasce (metaforicamente e naturalmente) e
no final estaremos todos mortos. A voz gutural de Max Cavalera dá à letra o
terror e desespero que ela deseja passar.
“Dead Embryonic Cells” é um dos maiores
clássicos da história do Sepultura, e a mensagem contida nela é o retrato da
falta de esperança, num mundo pós Guerra Fria, onde todas as certezas (sejam
elas boas ou ruins) estavam destruídas, lançando a humanidade num novo milênio
obscuro, caótico e violento.
Referencias:
CHRISTIE, Ian. Heavy Metal: a história completa.
São Paulo: Editora Arx, 2010.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve
Século XX (1914-1991). São Paulo; Companhia das Letras, 1995.
JANOTTI JÚNIOR, Jeder. Heavy Metal com Dendê:
rock pesado e mídia em tempos de globalização. Rio de Janeiro: E-papers, 2004
NAPOLITANO, Marcos. A História depois do
papel. In PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes Históricas. 2ª Edição, São
Paulo: Contexto, 2010.
______. História e Música: História cultural
da música popular. 3ª Ed. Belo
Horizonte: Editora Autêntica, 2005.
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