Kreator – Album: Coma of Souls (1990)
Dehumanization
through industrialization
Bring fear to the
masses of reincarnation
Manic frustration
deterioration
Nature fights back
for its own preservation
Concrete coffin
breeds lunacy
Desperation in the
factory
Corporations rule
the earth
Enslavery begins at
birth
Power's illusion
brings global confusion
A forgone
conclusion of mind's evolution
Nature's
destruction through massive production
A blatant example
of mindless construction
Concrete coffin
breeds lunacy
Desperation in the
factory
Don't dream about
how life can be
Before this prefab
culture wastes your life
Stay on the
straight and narrow course
But the promise of
a better future is a lie
The promise of a
better future is nothing but a lie!
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Paranóia do Mundo Material (tradução)
Desumanização
através da industrialização
Traz o medo às
massas da reencarnação
Maníaca deterioração da frustração
A natureza luta por
sua própria preservação
O caixão de
concreto produz o lunático
Esqueleto de aço
frio
Desespero na fábrica
Roda para fora o
esquecimento
Paranóia do mundo
material
As corporações
governam a terra
Paranóia do mundo material
A escravização
começa no nascimento
A ilusão do poder
traz a confusão global
Uma conclusão
renunciada da evolução da mente
Destruição da natureza
através da produção em massa
Um exemplo claro de
construção sem sentido.
O caixão de concreto
produz o lunático
Esqueleto de aço
frio
Desespero na fábrica
Roda para fora o
esquecimento
Paranóia do mundo
material
Não sonho sobre como
a vida pode ser
Experiência de seus
sonhos
Antes dessa cultura
prefabricada desperdiçar sua vida
Esteja no curso reto
e estreito.
A riqueza material é
sua
Mas a promessa de um
futuro melhor é uma mentira
A promessa de um
futuro melhor não é nada mais que, uma mentira!
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Análise:
Se
para os alemães do Scorpions o mundo na virada de 1990 para 1991 estava
caminhando para a tão almejada paz e progresso da humanidade, em sua otimista
canção “Wind of Change”, para os seus conterrâneos do Kreator tinha uma visão
menos entusiasmada se analisarmos a canção “Material World Paranoia” do álbum Coma of Souls (1990).
Para
toda uma geração de jovens, o mundo caminhava para o caos absoluto, convivendo
com a violência, o desemprego, e toda sorte de desajuste social. O aumento da
desigualdade aumentou por toda a parte, seja entre os países, seja entre
regiões do mesmo país, seja em populações do mesmo país. (HOBSBAWN, 1995 p.
396-395)
Em
poucas músicas o Kreator deixa tão explícito o qual é o seu posicionamento
ideológico quanto às questões sociais, econômicas e políticas. É uma canção
cujo o mote é a anarquia, evocando conceitos da consolidação do capitalismo,
como a mecanização industrial, e a corrida da URSS pela mecanização como forma
de mostrar o esplendor do seu modelo econômico.
A
primeira estrofe apresenta o tema, o sentimento e o tom que da letra que vai
desenvolver-se: “Dehumanization through
industrialization”. O ser humano perde espaço para a produção, onde o
resultado é mais importante que as relações, que os anseios e o bem estar das
pessoas. Essa situação leva à frustração e a deterioração do trabalhador, pois
se torna mais uma peça na engrenagem do sistema, sendo dispensável como
indivíduo, visto a mecanização, e aqui não entendida somente como trazer as
maquinas para o centro da produção, mas também tornar o processo inteiro feito
pelos trabalhadores de forma repetitiva.
O
bridge faz referências a conceitos do
início da era industrial, como eventos que deram origem ao Ludismo, quando diz
“Concrete coffin breeds lunacy”, onde
o “caixão de concreto” é entendido como uma figura de linguagem para a fábrica
(onde as pessoas sepultam suas esperanças, vida social e futuro). Segue com
outra figura de linguagem “Cold steel
skeleton” tratando das máquinas que substituem os trabalhadores, tendo como
consequência o desemprego maciço, arrocho dos salários e uma série de problemas
sociais decorrentes (HOBSBAWN, 1995 p. 402).
O
refrão “Material world paranoia /
Corporations rule the earth / Material world paranoia / Enslavery begins at
birth” desenrola mais um conceito contido na canção. Até o momento
falava-se da produção, mas agora trata da própria natureza da produção em
massa: o consumo. Quando diz que a “escravidão começa ao nascer” está dizendo
sobre a necessidade de consumo que o mundo contemporâneo impõe, e logo, a
necessidade das industrias continuarem produzindo materiais e reproduzindo o
seu lucro.
A próxima estrofe que segue, “Power's illusion
brings global confusion / A forgone conclusion of mind's evolution”, e reforça a ideia sustentada no refrão, quando diz sobre o poder financeiro, que
se confunde com sensação de poder total (o dinheiro pode fazer tudo). Com o fim
do modelo socialista, principalmente com a reunificação alemã, o mundo viu a
“vitória” dos modelos de economia de livre mercado, mas os riscos disso foram
subestimados, e a economia ocidental não foi capaz de absorver milhões de
consumidores de uma hora para outra. Principalmente do tocante à finda Alemanha
Oriental. (MONIZ BANDEIRA, 2009, P.188-190)
A
crítica feroz ao sistema de produção industrial desenfreado e irresponsável
continua: “Nature's destruction through
massive production / A blatant example of mindless construction”. O custo
de produzir sem pensar nas consequências sociais e ambientais, na visão do
Kreator, é um exemplo claro de um progresso apenas visto como ganho financeiro, pois ninguém
estaria medindo os custos para a sociedade desse tipo de produção.
Quando
volta ao refrão, temos a mesma imagem do homem massacrado pela
produção fabril, mas agora num novo contexto. Ele está inserido na produção
industrial, e também quer ser um consumidor. Trabalha horas a fio durante o
mês, recebe seu salário e vai até a loja comprar o tênis do famoso jogador de
basquete que (talvez ele mesmo ou outro trabalhador como ele em qualquer parte
do mundo) produziu repetitivamente. O ser humano perde a capacidade da reflexão
sobre o trabalho em si mesmo, e passa também a ser mais uma peça no engenho do
consumo. As mídias passam a imagem que consumir é ser feliz, e que ter é muito
melhor que ser.
A crítica ao consumo midiático da massa segue na
estrofe “Don't dream about how life can
be / Experience your dreams / Before this prefab culture wastes your life /
Stay on the straight and narrow course”. É um ciclo, onde a produção enseja em
consumo, que pede uma propaganda para elevar o consume, e por consequência,
continuar a produção fabril. Quando cita a “cultura pré fabricada” está falando
exatamente de como a mídia de massa cria necessidades que “não sabíamos que
precisávamos” (MERTON e LAZARSFELD 2000, p.109-131)
A
sociedade do consumo é duramente criticada nas linhas “Material wealth is yours But the promise of a
better future is a lie”, que sintetiza toda a força da letra. Conclui que a
natureza efêmera da riqueza material não é capaz de trazer a felicidade ao ser
humano. Naquele momento, os governos, as corporações transnacionais, e em
particular os grandes donos dos meios de produção, falharam em tornar o mundo
um lugar melhor. É como se o eu poético estivesse com o dedo em riste apontando
para um grande empresário e dizendo que não importa o que faça, não há
progresso sem justiça social.
Essa
ideia está intimamente ligada à reunificação alemã, onde a população da
Alemanha Oriental não queria esperar nada para ter acesso às mesmas coisas que
seus compatriotas do lado ocidental já tinham. Após décadas de privação dos
itens mais básicos, eles agora queriam televisores, carros, salgadinhos, refrigerantes.
Queriam ser incorporados ao sistema do consumo, e ser reconhecidos por isso
(MONIZ BANDEIRA, 2009, P.183-185)
O
fim dos anos 80 e início dos anos 90 do século XX foram especialmente difíceis
para o desenvolvimento econômico e social por todo o mundo, e o texto de Eric
Hobsbawn é praticamente uma tradução da canção “Material World Paranoia”:
A
tragédia histórica das Décadas de Crise foi a de que a produção agora dispensava
visivelmente seres humano mais rapidamente do que a economia de mercado gerava
novos empregos para eles. Além disso, esse processo foi acelerado pela
competição global, pelo aperto financeiro dos governos, que – direta ou
indiretamente – eram os maiores empregadores individuais, e não menos após
1980, pela então predominantes teologia de livre mercado que pressionava em
favor da transferência de emprego para formas empresariais de maximização de
lucros, sobretudo para empresas privadas que, por definição, não pensam em
outro interesse além do seu próprio, pecuniário. (HOBSBAWN, 1995, p. 404)
E
ideia que o progresso traria a felicidade para o homem, muito em voga nos
positivistas do início do século XX (como o sociólogo Emile Durkheim) é jogada
por terra segundo as palavras do Kreator, quando repete no fim da canção a
frase “a promessa de um futuro melhor não é nada mais que uma mentira”, como um
grito raivoso para que as pessoas abram a mente para entender o que realmente é
importante na vida.
Com
uma linha rítmica marcada mais pela cadência, a canção traz um vocal forte, mas
menos gutural do que o costumeiro, mostrando uma cara diferente do Kreator. Os riffs
marcantes estão lá, a bateria frenética, e a velocidade típica em vários
momentos. Há menos tensão do que o normal esperado, mas a melodia casa-se com a
intenção da letra. A ultima estrofe tem um andamento muito rápido, com as
palavras sendo declamadas na mesma velocidade, acompanhando o ritmo da base
sonora, e depois é sucedida pelo solo de guitarra, e que retorna depois à frase
principal fechando a canção de maneira incrível, com Mille Petrozza gritando “The promise of a better future is nothing
but a lie”.
Essa
é com certeza uma maneira de dizer que as coisas não iam bem no mundo, e que
mesmo após o fim das tensões da guerra fria, nem por isso as coisas estavam
melhores, pois outros agentes estavam pressionando as pessoas rumo ao caos. E
no fim das contas, nem o capitalismo nem o socialismo foram capazes de trazer a
felicidade à humanidade, pois as pessoas são, por natureza, propensas ao
individualismo.
As
corporações, os governos, os opositores, os teóricos. Depois da queda do Muro
de Berlim todos prometeram um futuro melhor, e muito acreditaram nos “ventos da
mudança” quando na verdade, vivíamos (e ainda vivemos) a “paranóia do mundo
material”, trabalhando muito, vivendo pouco e pensando nada.
Referencias:
CHRISTIE, Ian. Heavy Metal: a história completa.
São Paulo: Editora Arx, 2010.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve
Século XX (1914-1991). São Paulo; Companhia das Letras, 1995.
MERTON, Robert K. e LAZARSFELD, Paul F.:
Comunicação de Massa, Gosto Popular e a Organização da Ação Social. In:
______LIMA, L.C. (coord.) Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra,
2000.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A Reunificação
da Alemanha: do ideal socialista ao socialismo real. 3ª edição, São Paulo:
Editora Unesp; 2009.
NAPOLITANO, Marcos. A História depois do
papel. In PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes Históricas. 2ª Edição, São
Paulo: Contexto, 2010.
______. História e Música: História cultural
da música popular. 3ª Ed. Belo
Horizonte: Editora Autêntica, 2005.